sexta-feira, 6 de março de 2020

Desdém

Aquilo foi desdém?
Não, não foi. Ela não é capaz.
Na verdade, é muito pior que o amargor do desdém.
Na verdade, ela me tratou como um outro, como mais um.

Incrível o que as peças de um amor estilhaçado fazem com um homem.
Deveriam ser usadas como combustível para alguma coisa?
Ou alimentar meu próprio ego não é suficiente?

Meu ego me sufoca.
Logo eu que tão abertamente me abri.
Logo eu que tão honestamente contei tudo que senti.

É claro que meu erro foi esperar algo em troca.
Eu sou um verme da pior espécie.
E não venha me dizer que não sou, pois essa é a pior de minhas hipocrisias.

Dizer por ai que não sofro.
Dizer por ai que tô bem.
Dizer pra todo mundo não sentir por mim.

A verdade é nua e crua. Eu também não saberia como reagir.
Eu também não poderia atender as expectativas.
E as pessoas vêm me dizer o quão incrível sou.

Ah, façam-me o favor!
Me deixem em paz.
Não criem expectativas.
Não aqui.
Não em mim.

Mal sabem elas que eu não passo de uma porcaria de promessa e que debaixo do tal casco impenetrável não há mais que um bobalhão chorão.

E eu queria poder gritar! Ah, como eu queria. Gritar para ninguém. Até minhas cordas vocais rasgarem e meus tímpanos estourarem.

"Eu tô bem" - ela me disse.
A pergunta foi retórica, porra!
Ela deveria ter cuspido na minha cara e rido.
Só assim para eu aprender. Eu preciso esquecê-la e ela vai me dizer isso essa noite. Eu tenho certeza!
Isso vai me deixar louco. Eu vou surtar. Eu tenho certeza!

E vou insistir. Mas insistir em que?
Se já não sobrou nada?

Coloque em sua cabeça miserável: ela não te ama mais. Você foi um passo para algo melhor.
E tu ficou ai, parado. Esperando ela voltar como o babaca que é.
Tu não superou nada. Tu não ficou mais forte. Tu só desenvolveu essa porrada de merda na sua cabeça. Tu tem que roer palitos pra ficar bem, cara!

Olha a merda que tu virou! E a culpa não é dela. A culpa é sua. Como sempre. Tu é a piada. Como sempre.

Mas o amor não é o que sobra quando tiramos tudo? Deveria ser, não deveria? Alguém pelo amor de Deus me diga!

Eu queria poder sentir a raiva que tanto me empurram goela abaixo, mas sou incapaz. Não consigo odiar. Não ela. Eu comecei a me odiar? Acho que não. O que eu sinto é ódio por ódio. Não de mim ou dela.

Ao mesmo tempo eu sei que jamais serei o mesmo. Eu sou o mesmo, mas estou fragmentado em outros mais e um deles claramente me detesta. Porque eu tenho essa cicatriz que eu cultivei e ele sente a dor que ela representa. É por isso que ele me odeia.

- Lágrimas de Gasolina

sábado, 22 de fevereiro de 2020

A verdade, a promessa e o que sobrou

A verdade é que eu choro quando ouço as letras que cantam sobre sua estrela estar em outros céus.
A verdade é que estremeço quando penso que poderia ter sido mais para você.
A verdade é que você é minha melhor amiga.
A verdade é que choro enquanto escrevo o que escrevo.
A verdade é que sou um completo covarde.
A verdade é que me poluo para poupar a ansiedade.
A verdade é que cavo em outros corações o abismo que consome o meu.
A verdade é que me tornei algo indesejável.

Sou o vazio que um dia foi completude.
Sou pratos raspados de refeições sem sabor.
Sou camas arrumadas de noites mal dormidas.

Sou a calmaria de uma mente perturbada.
Sou o silêncio entre conversas de bar.
Sou o canto do pássaro morto.

Sou a promessa jamais cumprida. A pior das promessas jamais cumpridas.

Tive o filho que jamais nasceu.
Tive a viagem que nunca aconteceu.
Tive a esposa que não pedi em casamento.

O cartão-postal de um lugar maravilhoso que nunca existiu.

A minha música favorita me faz chorar. Meu lugares favoritos me fazem chorar.
Tudo o que eu fiz eu fiz com você - e eu sei que você me deu tudo o que você tinha, porque eu também te contei tudo que eu tinha pra contar. Te mostrei tudo o que eu sabia.

E hoje eu me peguei chorando no carro, sabendo que um dia você teria uma vida maravilhosa e que um dia seria uma estrela no céu de outra pessoal, mas por que não pode ser o meu céu?

- Lágrimas de Gasolina

Pinky Promise Sculpture

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Qualquer Coisa

Ultimamente eu tenho visto essa coisa. Não sei quando começou e honestamente não faço ideia o quão saudável pode ser traduzi-la em formato de texto. Ela parece ser complexa demais para isso.
Eu tentei me convencer de que se tratava de algo imaginário ou de algo que surgiu sem motivo aparente, mas não consigo me enganar. Essa coisa está lá. Não fisicamente, mas está lá.
Ela me observa indo trabalhar, principalmente quando tranco a porta do meu quarto. Ela me observa quando estou no banho e quando levanto muito rápido da cama. Não sei dizer o motivo de percebe-la nesses momentos específicos.
As vezes eu rio comigo mesmo enquanto debocho da sua fisionomia. Sim, ela tem um rosto - eu acho. Não é algo aterrorizante como você pode estar pensando. Infelizmente o que estou contando não é ficção afinal. Não se trata de alguma entidade que me assombra ou que me quer mal (?). Eu sou seu criador - e jamais seria capaz de criar algo do tipo. Além disso, meu acervo pessoal de estórias de terror anda um pouco obsoleto.
Pra ser sincero, parece-me a forma como lidei com alguma coisa muito profunda. É uma pressão na boca do estômago ou uma dor aguda na cervical. Seu rosto é como o de um cavalo e seu pescoço é muito comprido. Suficiente para contornar a parede do banheiro e me olhar pela janela. Seria uma girafa se seu pescoço formasse uma linha reta, mas não forma. Parece um turbilhão de carne ou fumaça. Seu corpo é de garota.
De qualquer forma, não importa. Sigo sem fazer ideia alguma de qualquer coisa. Talvez ela esteja esperando que eu chore.

Nublado

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Domingo Sombrio

O domingo é sombrio
As minhas horas sem sono
Queridas as inúmeras sombras
Com as quais convivo
Pequenas flores brancas
Não te acordarão
Não onde o treinador negro
Da dor te levou
Os anjos não pensam
Em te devolver jamais
Será que eles ficariam zangados
Se eu me juntasse a ti?

O domingo é sombrio
Passados nas sombras
O meu coração e eu
Decidimos acabar com tudo
Daqui a pouco haverão flores
E orações que dizem saber
Mas não os deixem chorar
Deixem saber
O quão feliz estou por partir
A morte não é um sonho
Pois na morte eu te acaricio
Com o último suspiro da minha alma
Eu te abençoarei
Domingo sombrio

Sonhando
Eu estava apenas sonhando
Acordo e te encontro dormindo
No fundo do meu coração
Querida, eu espero
Que o meu sonho nunca te persiga
O meu coração está te dizendo
O quanto eu te quero
Domingo sombrio
Domingo sombrio

- Ferdinandi

Flor branca ao centro

domingo, 8 de janeiro de 2017

A Ineficiência do Mal e o Estoicismo dos Bons

De todos os males que ousam vaguear pelos homens do mundo, a falsidade fora aquele que transformara seus melhores em mananciais de uma humanidade pútrida.
Reduziram os homens a um apanhado de sentimentos e medo - principalmente medo - enquanto proclamavam o quanto isto seria o suficiente para que se entorpecessem com uma falsa aceitação perante os outros medrosos sentimentais.
Fora poderoso o método utilizado, pois, em pouco tempo, seus locutores transformaram aqueles que ousaram se opor de alguma forma.
- "Nem só de medo vive o homem" - bradaram os opositores.
- "Seus sentimentos não servem de nada" - insistiram.
Mas a oposição sabia que seus membros voltariam sozinhos. Sabia que estes se deitariam, solitários, sobre suas camas e que encarariam o céu criado pelos covardes. O mal achou que isto seria o suficiente para derrotar a oposição - e enganou-se.
O mal se julgava a última reforma a ser criada, julgando-se definitivo, pois, somente aqueles que pudessem encara-lo saberiam que este era o mal em sua forma mais perturbadora, enquanto seus sacerdotes e devotos acreditariam piamente que praticavam a mais pura das benignidades.
Então, algo aconteceu.
Em seu interior, algo empertigava as entranhas da estranha maldade que assolava a maioria dos homens. Encarou o próprio modus operandi e encontrou uma realidade avassaladora.
Reduzira-os a parasitas sem hospedeiros que logo morreriam de inanição, pois aqueles que tinham suas veias tragadas pelos covardes rapidamente excluíram-se da presença da pútrida humanidade que criara.
E em seguida, deparara-se com um evento aterrador:
A solitária oposição, que supostamente deveria suicidar-se perante a exclusão, tornara-se mais forte e intragável.
Seus números cresceram e seus membros tornaram-se maiores e sustentáveis. Não precisariam da aceitação dos covardes corrompidos pela ilusória satisfação oferecida pela degradação.
Os solitários descobriram que trabalhavam melhor quando sozinhos.
E a solidão transformara-se em liberdade.
E a liberdade transformara-se em força.
Em pouco tempo, a maldade se tornaria ineficiente e seus seguidores, reduzidos a rostos raquíticos, cairiam no esquecimento, junto a ela.

- Lágrimas de Gasolina

Homem de mármore puxando pano
The fight of man against evil by Gaetano Cellini