sábado, 31 de outubro de 2015

Cigarros de Palha e Fósforos

"Toda vez que chovia, meu avô levantava de sua cama, fosse o horário que fosse. Caminhava a passos calmos e se dirigia até a porta do quintal, a abria e logo se sentava na cadeira de balanço do lado de fora.
Eu sempre o acompanhava, fosse o horário que fosse. Algumas vezes eu ficava de espreita, esperando ouvir o arrastar de chinelos, só para segui-lo e me sentar ao seu lado na varanda. Olhava maravilhado para toda aquela personificação de experiências e vivências acumuladas em um único ser que eu amava assistir.
Lembro-me da elegância com que preparava seu cigarro de palha, enrolando delicadamente com as pontas dos dedos, numa doce valsa entre palha e fumo. Assistia com meus pequenos olhos de criança, o acender de um dos fósforos que apanhara sem rodeios de uma caixinha especial que ele mesmo construíra quando mais moço. Incendiava os próprios dedos e em seguida acendia o cigarro recém-manufaturado.
Ali ficávamos por alguns minutos, admirando a chuva que se estendia por detrás das cercas nos horizontes da fazenda, enquanto ele balançava em sua cadeira de balanço e me dizia o quanto meus pais me amavam e dos motivos pelos quais nunca vieram me visitar, como eram pessoas ocupadas e a gratidão que lhes devíamos por garantirem o nosso conforto.
Essas eram as nossas noites, regadas ao cheiro de fumo e palha queimada e alguns rangeres de cadeira de balanço.
Sempre que me lembro de meu falecido avô, meu coração bate mais forte, aquele velho sempre fora como um pai para mim. Nunca lhe pedi nada, pois nunca me faltara nada.
É engraçado - e um pouco triste - quando essas lembranças aparecem por entre essas paredes vazias e sobre estes lençóis que meu avô utilizava para se cobrir, como se mesmo após sua partida, alguma coisa me dissesse que a qualquer momento em alguma noite, eu ouviria o arrastar de chinelos, o ranger da porta e o cheiro de fumaça.
Eu descobri a verdade a respeito de meus pais, muito tempo depois da morte do meu velho, e quando soube, não fiz alarde algum, pois em algum canto silencioso da minha alma, uma voz amordaçada sempre gritou escandalosamente:
- "Eles nunca virão!”
Hoje, completo sessenta e seis anos. Trabalho para o meu próprio sustento, utilizando dos recursos da fazenda. Às vezes vou até a cidade comprar alguns suprimentos, volto e me tranco em casa com meus cigarros de palha e fósforos.
Você já fumou um cigarro de palha alguma vez? Não?! É delicioso. Sento na cadeira de balanço nos dias de chuva e olho para o horizonte, esperando por alguma criança para iludir e servir de herói, o que é impossível, já que nunca me casei ou me preocupei com herdeiros. Tudo o que me resta são as lembranças que cultivo comigo mesmo e com as chamas de meus dedos - e como dói."

- Lágrimas de Gasolina


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