Ele não
tinha nada, exceto medo.
Não medo de
morrer ou qualquer outra forma de flagelo físico. Ele tinha medo do anonimato.
Anos
atrás, foi um famoso orador de circo. Multidões atravessavam estados apenas
para vê-lo abrir os números e espetáculos, e a satisfação do público era tão
grande que muitos voltavam uma segunda e até mesmo uma terceira vez.
Hoje em
dia seu braço era tão fino que não aguentava mais carregar o comprido
microfone. A cartola que pousava em sua cabeça abandonara o preto e tornou-se
cinza, com mais bocas do que era possível contar. Ao redor dos olhos, a sombra
preta escorria em rios por sua bochecha, acusando trajetos cursados por
lágrimas. Seu terno vinho estava engomado, e de acordo com a incidência da luz
solar era possível identificar manchas de sangue. Mas nada disso importava,
pois no topo daquele prédio, detalhes tão pequenos eram invisíveis.
Uma
mulher gritou, alguém implorou para que ele não pulasse, outros ignoraram e
continuaram andando. Com o decorrer das horas, podia-se dizer que uma bela
multidão havia se formado.
Que
comece o show.
Botando-se
em pé, urrou que iria pular. Um coro negativo veio em resposta, dando-lhe ainda
mais ânimo. Articulou violentamente com as mãos, encenando que a vida não mais
lhe era prazerosa, e de que o sol não brilhava como antes. Uma criança desatou
a chorar.
A
multidão aumentava, assim como sua encenação.
Arremessou
a cartola aos ventos, chorando falsamente enquanto observava-a rodopiar pelo
céu. E em quanto as horas passavam, mais seu show fazia sucesso.
No final
do dia, mais de trezentas pessoas concentravam-se ao redor do prédio, maior do
que qualquer público que já o visitara no circo. Carros da polícia iluminavam
seu palco com sirenes, enquanto os bombeiros cuidavam da parte acústica. Um
helicóptero sobrevoava o local, e se estivesse com sorte, já estaria nos
jornais locais.
Pois bem, era hora de encerrar. Agradeceu a
Deus pelo rejuvenescimento de sua alma. Virou-se para descer do parapeito e
Escorregou.
Um passo
falso apenas, em um parapeito ridiculamente estreito.
Enquanto
caia, a surpresa apoderou-se de seu corpo. Mesclado com a felicidade que
sentia, o gozo foi absoluto.
Antes de
tocar o chão, jurou ter ouvido palmas. Aquele espetáculo foi seu maior sucesso.
- Dedos
Azuis
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