sábado, 8 de junho de 2013

Toluene

O pequeno bonsai sobre a escrivaninha continuava me encarando.

Pedi para ele parar, pedi para ele parar. Ele não parou. Ele sabia o que eu tinha feito.

Mesmo limpas, minhas mãos estavam incrustadas com sangue seco, sangue inocente.

Toda uma vida que deveria ser, e não foi. Não para mim, mas para a pequena criança.

Não foi minha culpa, não foi. Ela permanecia ali, encarando-me, não tive alternativas.

Agora a sombra fria da noite penetra pelo meu quarto, refletindo nas paredes brancas todos os pecados de uma pobre criatura vil. Mas ele ainda está ali, parado, me encarando. Robusto em sua forma grotesca, retorcida. Um juiz imponente.

Empurrei a cadeira para trás, levantei e caminhei até a janela. Minhas mãos suavam, o ar tornava-se rarefeito. Andei de volta para a escrivaninha, peguei alguma coisa para me distrair.

As luzes estavam apagadas, como que parar manter o segredo que elas juraram não contar. Mas a noite fria revelava tudo a todos, e meu bonsai sabia. Ele sabia.

Abri a pia do banheiro com um forte tranco, afundando minha cabeça na gélida corrente que por ela transcendia. Afundo meus problemas na gélida corrente que por ela transcendia. Mas afundar não é afogar. Eles ainda estavam ali, ainda estavam ali.

Na escrivaninha, o bonsai me fitava. Se recusava a trocar palavras, apenas olhares.

Meu coração ameaçava sair pela minha boca, titubeando ferozmente por um peito agora fraco. Não tinha mais forças, não tinha mais forças. Quando eles viessem, eu não poderia fazer nada.

Eles não virão, eles não virão, eles não virão.

Eles vieram.

A sirene tocou alta na rua torta que cruzava a passagem de minha casa. Meu quarto foi invadido por luzes azuis e vermelhas, rajadas furiosas que mordiscavam todo o meu corpo em busca de indícios de fraqueza.

Joguei me ao chão, gritando, e me rastejei para baixo da cama.

A polícia gritava no portão, mas não havia ninguém em casa, não havia ninguém em casa.

Ah menos que…

Olhei para o bonsai; ele estava prestes a gritar, a chamar pelos policiais, me denunciar. Ele iria acabar com a minha vida.

Me joguei para cima dele, insanamente. Com braços machucados, lutamos no chão. Rolamos por entre poeira e roupas, seringas e sangue. Nos debatíamos, esganiçávamos, mas sem emitirmos o menor som.

Bati em seu pequeno rosto com o cotovelo. Coloquei os joelhos em seu pequeno peito. A faca que estava sobre a escrivaninha, agora deslizava por sua fina garganta. Tudo isso se passou em milésimos de segundo.

 Agora a polícia entrava em minha casa, e eu sabia que tinha de fugir. Mas não sem antes limpar as mãos, limpar as marcas.

O pequeno bonsai sobre a escrivaninha continuava me encarando.

- Dedos Azuis

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