domingo, 19 de maio de 2013

Necrofilía


Nunca havia reparado naquela garota antes; O rosto

virado para o outro lado, as mãos cruzadas no colo. As pernas

a mostra por debaixo da saia. Vi o ônibus 3.85 e estiquei o braço.

No dia seguinte lá estava ela de novo. Sentei ao seu lado.

Dirigia-lhe olhares furtivos, mas não abri a boca. Seu rosto

permaneceu fitando o oposto, e lá veio o 3.85.

No ônibus comecei a refletir. Como passamos horas, dias, anos

próximos a pessoas que nem mesmo dignamos um ‘bom dia’?

Como nos sujeitamos a viver em casulos sociais e rejeitar tudo

aquilo que é novo? Será que isto incube a noção de um tal de

‘Belo Incerto’? Era simples, tão simples. É simples.

Um ‘bom dia’ de vez em quando. Um ‘como você está?’ em uma

preguiçosa manhã. Simples.

No dia seguinte iria conversar com a garota.

Ela estava lá, sentada com o rosto virado para o outro lado.

As mãos cruzadas sobre o colo. Sentei ao seu lado.

- Bom dia!

Esperei, sorrindo. Não houve resposta.

Toquei seu ombro. Sua cabeça pendeu para trás, revelando o

branco que totalizara seus olhos.

Ela estava morta. Morta.

Há dias, apenas parada, esperando o ônibus certo vir buscá-la.

Sorri.

- Como você está?

- Dedos Azuis

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