quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O Ônibus 3.85 #6 - Início

Você alguma vez já parou e se perguntou o que teria acontecido se tivesse se atrasado alguns minutos para algum evento do passado?
E se seus pais tivessem atrasado algumas horas para se conhecer? Talvez algum terceiro elemento tivesse tomado partido antes de um deles e se apaixonado, impedindo o seu futuro nascimento e, conseqüentemente, eu perderia um leitor.
E se você tivesse atrasado alguns minutos hoje de manhã? Talvez tivesse perdido o ônibus e o emprego.
E se você tivesse atrasado alguns segundos na semana passada? Talvez você pegasse aquele semáforo da esquina fechado, atrasando mais alguns segundos e impedindo a colisão que envolveu o seu carro na esquina seguinte.
Consegue perceber como os pequenos acontecimentos em um curto espaço de tempo podem gerar diferentes conseqüências?

Colocou os talheres, delicadamente, sobre a mesa, enquanto analisava os desenhos em forma de ondas dos mesmos. Apoiou os cotovelos sobre a superfície de madeira cuidadosamente feita a mão por algum artesão colonial renomado. Deixou os ares de satisfação entrar pelas suas narinas. Sua mãe não era a pessoa mais afável do mundo, mas cozinhava como uma deusa.
A mulher estava terminando a sua refeição, tinha os olhos cansados e desapontados, com uma das mãos dirigia uma garfada após a outra, sem proferir um ruído se quer, enquanto a outra repousava sobre o avental amarrotado e disposto sobre o colo encoberto pela parte inferior do vestido.
Terminou de comer e se levantou logo em seguida. Desamarrou o avental das costas, passou a pequena alça pelos cabelos castanhos, retirando-a por completo, dobrou o tecido ao meio e o dispôs sobre o balcão. Olhou por alguns segundos para suas mãos cansadas e envelhecidas, fechou os olhos. Igor a olhava por trás, ainda sentado a mesa, direcionando os olhinhos para a parede, pôde ver a silhueta que dançava, projetada pela soma de corpo e luz de velas.
- "As sombras não envelhecem" - pensou enquanto debruçava sobre os bracinhos.
Voltou a observar a movimentação de sua mãe, que apontava para a mesa e para as louças, a analisou por alguns segundos e entendeu, se levantou e começou a recolher os vestígios do que foi um delicioso jantar.
Soltou um som quase inaudível, proferido através dos dentes, como se queimasse a língua com algum tipo de fluido quente e invisível. Caminhou de cabeça baixa em direção ao velho sofá estacionado no cômodo ao lado, elegantemente disposto em frente a uma pequena tela televisiva de vinte polegadas. Passou os dedos sobre um dos botões agrupados no painel integrado ao lado da tela e o dispositivo se acendeu, fazendo rosnar um chiado de intensidade baixa e irritante.
Os sons do noticiário invadiam a cozinha, onde o jovem lavava as louças e enxugava alguns pratos. O programa começava sempre às sete horas da noite e sua mãe sempre o assistia. A noite já havia tomado conta do lado de fora e a casa estava tomada pelas luzes de velas e pela coloração cinzenta da velha televisão.
- "Um estranho fenômeno acontecerá às vinte e duas horas da noite de amanhã e poderá ser visto de toda a América do Sul, os cientistas dizem tratar de uma gigantesca massa de nuvens estratosféricas polares causadas pelas conseqüências da emissão de gases poluentes na atmosfera, dominando os céus da noite de quarta-feira, atingindo seu ápice na madrugada de quinta-feira. Os mais esotéricos acreditam ser um presságio para o fim do mundo" - Dizia o homem de penteado brilhante com suas mãos sobre a mesa, enquanto algumas imagens rodavam pela tela ao seu lado.
- "Nos dias de hoje" - A imagem pulou para um senhor de corpo franzino e cabelos calvos esbranquiçados - "Esse tipo de fenômeno meteorológico costuma ser corriqueiro nas regiões mais frias do planeta, chamadas de regiões polares. É extraordinário que estes aconteçam em regiões como o Brasil e Argentina" - Disse o meteorologista.
- "O que o senhor acha das teorias?" - Perguntou a repórter.
- "As conspirações? Sobre o fim dos tempos?" - Olhava incrédulo para a câmera - "As pessoas não estão acostumadas com o extraordinário, o que justifica todo esse misticismo alvoroçado." - E desligou.
O garoto estava recostado no batente da porta entre a sala e a cozinha, havia terminado seus afazeres e pôde ouvir toda a notícia. Andou até o sofá, deu umas palmadas na almofada e se sentou.
A televisão estava desligada, via-se apenas o reflexo das velas nos olhos de sua mãe e na tela escura. A mulher estava perplexa, como alguém que acabara de presenciar um atropelamento.
- "Eu" - Os olhos do garoto pareceram saltar - "Esperei por tanto tempo" - Disse a matriarca.
Esticou-se para entender enquanto não acreditava que escutava as primeiras palavras já proferidas pela mãe.

Continua
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- Lágrimas de Gasolina

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