sexta-feira, 15 de maio de 2015

Um passo à frente

Houdini era uma assassina, e disto eu já sabia desde o primeiro instante em que a vi. 
Demasiadamente simpática, demasiadamente solicita. Sorriso demasiadamente branco e olhos demasiadamente verdes.

A calça jeans preta e a camisa slim de botões vinho surpreenderam-me, pois o prático vestido escuro com fenda lateral até a cintura fora substituido. Parecia confortável naquele traje. Parecia mais humana, menos divina.

E, apesar de todos meus instintos, provavelmente foi nesta humanidade em que apaixonei-me. 
Como um ex assassino (não por contrato e nem por psicopatia, e sim pela simples beleza na arte de matar) reconhecer outros assassinos era tão simples como limpar uma faca.

Os ligeiros movimentos nos pequenos músculos faciais normalmente é o que entrega um assassino, e com Houdini fora basicamente da mesma forma. Mas ela era a composição tão perfeita entre divindade e humanidade, que precisei aborda-la naquela festa.

Ela achou que havia capturado sua presa, mas na verdade capturara um novo namorado. 

Houdini era boa, mas não tão discreta, e sempre que voltava para casa após um assassinato, era claro como uma noite de verão que havia matado alguém. Mas como nunca conversamos disso, ela alegrava-se ao pensar que eu acreditava que era apenas uma administradora de empresa que chegava em casa tarde.

Entretanto, criei um fascínio tão grande nela com a obscuridade de meu passado nunca contado, que Houdini despertou em seu íntimo a insaciável vontade de me matar. Bom, insaciável e inalcançável, pois eu estava sempre a um passo à frente. 

No jantar em que ela colocou cianeto de potássio em minha comida, tristemente deixou rastros do pó embaixo da unha, e com um simples "estou enjoado, vou deitar", escapei de forma gloriosa. Isto instigou-a ainda mais, e com o passar dos dias ela começou a tornar-se ansiosa, desesperada e de certa forma um pouco frenética. Certamente pensava em seu próximo passo, mas, apesar de tudo, eu sempre estaria um à frente.

Houdini comprou uma .9mm, e planejava pressionar o travesseiro contra o meu rosto e apertar o gatilho na noite seguinte, quando comprasse o cartucho necessário. Porém, fora traída quando sem querer disse, enquanto cochilava no sofá, "na gaveta do banheiro de hóspedes". Curioso, procurei e encontrei a pequena pistola lá.

No dia seguinte, quando minha namorada não encontrou a arma, teve um pequeno surto, mas não contou-me o motivo do stress. Chorou, gritou, mas em dez minutos tudo estava bem novamente.

Houdini teve outros movimentos, outras ideias, mas eu sempre estava um passo a frente. Tentou com faca pelas costas, linha de nylon em meu pescoço, uma martelada em minha nuca, e, até sendo menos original, tentou colocar um saco plástico na minha cabeça. 

Mas, sério, gloriosamente estive sempre um passo à frente.

Até aquela sexta, obviamente.

Preparava dois deliciosos bifes Angus, enquanto Houdini assava batatas. Estávamos comemorando um ano de namoro. Ela estava tão feliz, tão radiante. Seu sorriso brilhava mais do que no dia em que a conheci.

As velas, o vinho, a janta. A perfeição reinou. Saiu por um instante para pegar algo para brindarmos.
Quando voltou, revelou em sua mão esquerda a prateada garrafa de espumante. Com um sorriso sarcástico, revelou a mão direita. Na ponta do dedo, uma fina calcinha preta balançava promiscuamente.

O sexo nunca fora tão bom. Dois corpos que tornaram-se um, pelo momento, pelo suor, pelo clímax.

Quando terminamos, a sensação de deleite permaneceu. Sua mão acariciando meu peito arrepiava cada milímetro de meu corpo. Minha respiração pesada estava voltando ao normal.

Delicadamente, Houdini levou sua mão ao centro de suas pernas, e após um instante, trouxe o dedo estendido aos meus lábios.

Percorreu toda periferia de meu lábio inferior, depois superior. Inseriu o dedo entre meus dentes semi-serrados e, antes que eu me desse conta, esfarelou uma pequena quantidade de pó em minha boca.

Assustado e perplexo, sentei, cuspindo violentamente o conteúdo. Houdini riu, uma gargalhada maravilhosa.

- É apenas Eno, seu bobo - olhou em meus olhos com aqueles maldito verde celestial - Não vai ser hoje, amor.

Mexendo a língua, assimilei o gosto; Eno. Olhei para ela, com um sorriso desconfiado.

Transamos mais três vezes naquela noite.

- Dedos Azuis


Nenhum comentário:

Postar um comentário