quinta-feira, 21 de maio de 2015

Fútil Realidade #4

A vida é irônica. 
Até um certo aspecto, engraçada, mas esta ironia assume uma atmosfera bem sombria quando se presume a efemeridade do tempo. 
Vidas eternas de pessoas eternas, que entre 365 possibilidades, encontraram seu fim em um cruzamento extremamente familiar e singular. 
Há doze anos, eu e Brígida dirigimos até o cemitério nos dias 06 de Janeiro, para prestigiar nossa Mãe. Esta é a primeira vez que estamos vindo, no mesmo dia, para visitar ambos os pais. 
O médico não soube explicar o motivo de Pai ter falecido, há um ano, mas acredito fortemente que o motivo de sua partida foi exatamente a falta de motivos para ficar. A garota de sua vida já não estava mais aqui, e seus filhos estavam casados e aninhados em um laço de amor absoluto. 
Ele cuidou de muitos, e cuidou bem. Deixe que os céus cuidem dele agora. 
Brígida entendeu, eu entendi. Foi menos doloroso que a morte de Mãe. Eles estavam juntos, amando-se sem censuras terrenas, sem podas, sem idade. Apenas um amor infinito e inabalável, o mesmo que há muitos anos gravaram em nossos ânimos. 
Os túmulos estão lado a lado, e isso preenche meu coração com uma felicidade que não é possível transcrever em frágeis linhas. Brígida também está feliz. Muito feliz na verdade. 
Voltamos para nossa casa. para nosso ninho. Perder alguém é doloroso, mas mais doloroso é afastar amantes eternos.
Vendemos nossa antiga casa e compramos uma nova, um pouco menor. 
Recheamos com nossos gostos, nossos valores. Pintamos as paredes com tintas que representavam muito mais do que números em catálogos. 
Éramos muito novos, nem tinhamos terminado nossas faculdades, mas foda-se os padrões que a sociedade impõe. Casamos novos, começamos a morar juntos novos e a vida não podia ser mais feliz. 


Quando terminamos nossas faculdades, agarramos fortemente a ideia de nos tornarmos pais. Sempre fomos adepto, mas agora o tempo livre abriu espaço para este sonho. 
Fizemos uma imensa lista de nomes, para meninos e para meninas, no mesmo dia em que Brígida parou de tomar seu anticoncepcional. Apesar da vergonha, preciso confessar: foram bem prazeirosas as tentativas. 

No começo.

Com o tempo, começamos a ficar preocupados. Quatro meses, quatro menstruações. Brígida insistia em afirmar que era normal, que isso acontece, que em breve Lucas estaria a caminho. Mas eu sabia que tinha algo errado. 

"Endometriose", foi a palavra mais forte que já ouvi. Pior do que "morte", é a anulação da vida, a proibição natural de conceber. Sentamos no chão frio do consultório. Enquanto ela chorava desolada, tentava selar meus braços ao seu redor. Minha camisa empapava-se em suas lágrimas, mas não compartilhei as minhas. 
Não podia ser. Não com a gente. Era um amor tão puro, tão ridiculamente puro. Endometriose. 
Quando ouvi essa palavra, tive medo de perder minha garota. Tive medo de perder a Brígida que eu conhecia, medo de que esta restrição fosse um baque mais forte do que ela poderia aguentar. 

Estava enganado. 

Ficamos sentados no chão por quase duas horas. Quando ela terminou de chorar, levantou-se, limpou seu rosto e me abraçou muito forte. Foi o abraço mais forte que já trocamos. 
A sala do consultório estava bem amarelada por causa da luz artificial, mas os olhos de Brígida continuavam escuros como a lua. 
Ela passou os braços ao redor do meu pescoço e encostou sua testa na minha. 

- Você me ama, mesmo sabendo que não poderei engravidar? 
- Você me ama, mesmo sabendo que eu preferi a trilogia do Hobbit ao invés de O Senhor dos Anéis? 

Ela riu. Uma risada sincera. Fraca, porém sincera. 

- Vamos enfrentar isto - eu disse. 
- Te amo pra sempre. 

Um ano depois, no dia 29 de abril, recebemos a ligação. Lucas estava a caminho. Havíamos conseguido a guarda de um maravilhoso menino de três anos.

Continua


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