segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Espelhos

Acendi um cigarro empoeirado e apoiei a cabeça no encosto do banco do carro. Com a janela aberta, soprei a fumaça para a negritude da noite. Malditos. Malditos.

Com um braço apoiado na porta, e o outro segurando o Hollywood, aguardava dentro do veículo, olhando fixamente para a janela iluminada. Malditos, puta que pariu, como estes filhos da merda eram malditos.

Há dois dias, quando abri a porta do apartamento, deparei-me com o corpo de minha mulher  estirado no chão, com o rosto inteiramente coberto em sangue, disforme. Agachei ao seu lado, segurei seu frágil corpo, e urrei em desespero. Foram infinitos momentos de sofrimento. Não conseguia dormir, apenas gritar.

Com uma gélida faca, rasguei minha mão, deixando sangue cair no carpete. Em pouco, uma criatura apareceu, e me saudou. Cumprimentei o espírito sombrio de volta, e lhe fiz minha proposta. Minha alma em troca de uma volta no tempo, para matar o assassino que fez aquilo com minha amada. O trato estava feito. E aqui estou eu.

Traguei novamente o cigarro empoeirado, quando vi as silhuetas na janela. Ela em um vai e vem inabalável, e atrás, uma outra silhueta, irreconhecível, que acompanhava seu ritmo, mexendo os braços enfaticamente. Em um ato sexual inescrupuloso, apoiados na janela, minha esposa e um outro homem continuavam imersos em seus prazeres. Até que ele olhou assutado em direção do carro. Mas que malditos!

Abri mão de minha alma, por esta filha da puta, para encontrá-la me traindo? 

Em estase, desci do carro, e corri a passos firmes até o prédio. Subi as escadas correndo, bufando. Com um violento chute, arrombei a porta do apartamento e corri para a sala. 

E lá estava ela. Sentada, no sofá, lendo um jornal, apenas de roupão, como se nada tivesse acontecido.

- Meu amor - ela sussurrou, tirando o óculos e caminhando em minha direção - já voltou?

- Sua puta! - Gritei, e joguei-me violentamente para cima dela, socando-a inúmeras vezes.

Quando o seu corpo caiu no parapeito da janela, eu não parei. Sentei apoiei-me em sua cintura e continuei socando-a, socando-a. Até seu corpo sem vida cair aos meus pés.

Olhei para fora, para a janela. 

Ali, parado no carro do outro lado da rua, estava eu mesmo, com um olhar de puro ódio nos olhos.

Olhei desesperado, para o corpo morto de minha esposa, para minha versão de mim mesmo que corria pela rua como um louco. Olhei para o lado.

E lá estava ele, o espírito sombrio, apenas rindo, com o braço em riste, a palma aberta, cobrando aquilo que eu estava lhe devendo.

- Dedos Azuis

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