segunda-feira, 6 de maio de 2013

Caridade


Estiquei vagarosamente o braço, com a palma da mão voltada para aqueles que se recusavam a ajudar. A pequena caixa azul em minha frente carregava o meu fardo em forma de mensagem: “um pedaço para quem tem fome”.

E por lá passavam, e por lá nem se dispunham um olhar para o lado, um pensamento amigo, um ato generoso. Blindados em seus ternos de qualquer emoção vinda de fora, os humanos cruzavam a rua indiferente aos que estavam jogados ao chão; sujos, famintos. Esquecidos.

Levantei os olhos amarelados, cobertos de secreção e pûs, para pousá-los na caixa azul. Na caixa vazia e azul.

Em suas casas, seus carros, suas roupas, seus mundinhos, a população que não me dirigiam se quer um olhar era a mesma que gritava por um governo melhor, era a mesma que exigia reformas em diversos setores da economia. Era a mesma que pisava em mim quando passavam.

E de fato, o que eu peço, as pessoas desfrutam de apenas 10%. O que eu peço; apenas um pedaço disto, uma pequena parcela. Todos têm, isto é irrecusável, e todos têm muito mais do que precisam. Tem poucos muitos que nem mesmo um décimo de seu total eles usam. Seres malditos, egoístas, egocêntricos.

Um jovem senhor parou em minha frente, olhou no fundo dos meus olhos, encostou uma Glock na cabeça e, sem o menor traço de preocupação, apertou o gatilho.

Carne e sangue fresco voaram em todas as direções, cobrindo meu rosto com respingos quentes. Voltei os olhos novamente para minha caixa azul, que agora estava cheia de pedaços estourados do que costumava ser o cérebro do sujeito.

Abaixei os olhos para homem caído, sorri e disse um rápido obrigado.

Existem pessoas que se importam. Mas de modo geral, não é fácil ser um pedinte zumbi nos dias de hoje.

- Dedos Azuis

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